terça-feira, 20 de setembro de 2022

   a gente é bonito assim danificado

a vida rasga um pouquinho da gente e parece que viver é se fragmentar, se perder um pouco em cada coisa que vai
e a gente é lindo. lindo assim sobrevivente


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Levanto cedo, tateando meus lençóis em busca do teu corpo
denso amaciando nossa roupa de cama, mas não te encontro.

Há muito não sei o que é sentir teu calor.

Recordo os dias apressados, em que vivemos a continuidade
do nosso amor das formas mais subitâneas e desesperadas.

Os dias límpidos, transparentes e nuançados,
nos abraçavam e nos entregavam
o que há de maior das subterrâneas entranhas
da vida bem vivida.

Eu sinto falta e choro em impulsos
morfológicos essas faltas.

Minhas lágrimas agora mancham
os estofos do colchão
que deveriam ser preenchidos
pela sua presença, mas não.

Há tempos me habito unicamente com seu
desaparecimento gradual.

As tardes de inverno em que guardei tuas estruturas no meu colo foram, até hoje, as mais bem-postas das mesas de café. Me satisfiz de ti e assim pude sentir o que tantos nomeiam de prazer. Há algo estranho no ar, algo fúnebre reside na atmosfera desde que você partiu. Meus finos lamentos não são dignos, minha autopunição rege os artefatos do cotidiano agora, corroendo meu corpo em dores díspares que não se desintegram pelas minhas células, mas multiplicam-se como algo cancerígeno que se alimenta da minha vitalidade. Teço mentiras à mim, tentando encontrar refúgios em qualquer local que me aceite como moradora, que me rasgue e me retire de perto do meu sofrimento infantil, despreparado para lidar com partidas e rupturas. No auge da minha vida adulta me encontro revestida de fraquezas ao te encontrar cravada em tudo que me compõe. Você partiu, mas abandonou vestígios de estadia em todos meus aposentos! Ah. Logo que levanto enxergo teus sinais pelo meu quarto abandonado e rememoro o que existiu ali entre nós. Os sons silenciados pelos nossos apreços, toques e carícias. Vê? Como posso ter perdido tudo que delicadamente construí? Passei meus longos anos buscando o que encontrei em ti e me alimentei furiosa das tuas essências e longitudes. De ti tudo quis e me bastei, nada mais se tornava relevante diante da tua imensidão. Fui conquistada em cada beirada e cada tempo era o tempo perfeito, ideal e perpétuo. Congelada pelo vício no teu sorriso, nenhuma outra imagem me atormentava quando repousava meus olhos antes de me entregar ao sono, à esperança de te ter só para mim. Quis cobrir tuas cicatrizes, ser teu ponto de apoio e vigor, me tornar tua família, teu lar de aguardo e fé. Eu me supria dos reflexos contidos nos teus olhos ao me ver, os brilhos de alguém verdadeiramente apaixonada.

Onde tudo se perdeu?
Onde te deixei escapar?
Ir?
Sem respostas,
me encontro no breu de lâminas e dor.

Não sei mais o que fazer com minhas mãos sem ter as tuas como sustento. Dias de miséria me rodeiam desde que passei a não ter mais você avivando meus segundos. Nossos ornamentos, nosso corpo em união. Não esqueço, não esqueço as falas e questões. Seu jeito particular de me adentrar, me possuir. Me abasteço das lembranças, meu subterfúgio das garras do cruel destino. Agora você está escapando, tentando fugir de mim. Não compreendo minhas falhas e julgo sim ter falhado, ter - de tal modo - feito você crer que eu não estava aqui tanto quanto sempre estive. Não movi um músculo em direção qualquer, exceto à sua. Estive disposta a tudo por nós, por tanto. Não somos pouco, mas tudo que sempre continuamente busquei. A cada esquina dos bairros, ávida arquitetei seu semblante e, ao te encontrar, sinto que também encontrei parte de mim perdida. Parte que te pertence, está enraizada em ti. Assim concluo o inevitável, sem você não há eu.

Meu amor,
eu te peço para voltar,
eu te peço para ficar.
Não vá.